Muito bom dia a todos.
Na sequência dos vários contactos que fomos recebendo desde que estamos em Cabo Verde e após alguns pedidos, decidi falar-vos um pouco sobre a realidade de viver em Cabo Verde, particularmente na cidade da Praia. Vou tentar focar-me nos aspectos principais.
Enquadramento
Cabo Verde é um País composto por 10 ilhas e cada ilha tem um identidade própria, tanto em termos geográficos como em termos de convivência e cultura. Não tive ainda muitas oportunidades de visitar as ilhas, apenas fiz duas breves visitas a S. Vicente em trabalho e uma à Boa Vista, também em trabalho. Mas as diferenças fazem-se realmente notar. Desde diferenças na paisagem, no Crioulo (muito acentuadas), a diferenças da falada “morabeza”, tudo se faz sentir.
A vantagem de ser um arquipélago e da ausência de matérias primas valiosas, permitiu sempre o isolamento de outros países e consequente ausência de conflitos políticos, a não ser a normal retórica política entre os partidos existentes. A influência portuguesa do “deixa andar”, foi também um aspecto importante para esta paz e calma. Apesar de ser um país tranquilo, a criminalidade tem crescido, devido à acentuada disparidade social, concentração demográfica, rápido desenvolvimento e ao desemprego, sendo este mais abrangente em camadas mais pobres.
A cidade da Praia, sendo a capital num país de desenvolvimento médio e cujo crescimento tem sido muito rápido, representa ao mesmo tempo o núcleo de trabalho e oportunidades em Cabo Verde, mas também um local pouco seguro, mal cheiroso e particularmente pouco agradável, principalmente quando se pensa num país de clima tropical (seco!… eu vinha com uma ideia muito diferente). O rápido crescimento urbano não foi acompanhado nem por um plano urbanístico nem pela criação de condições básicas. As centrais de tratamento de água são poucas e insuficientes, a rede de esgotos quase inexistente, e o tratamento do lixo é algo que se começa a falar. Das coisas que mais confusão me fez quando aqui cheguei, foi não poder reciclar!
Vistos e viagens
Conseguir um visto em Cabo Verde é relativamente fácil. Os vistos turísticos podem ir até aos 3 meses e para conseguir um visto de residência, bastam 500$ (cerca de 5€), um passaporte válido e uma declaração de uma entidade empregadora.
Existem voos diários para Lisboa, tanto pela TAP como pela transportadora aérea local, a TACV. Viajar para a Praia é estupidamente caro. Por mais 50€ vai-se ao Sal, fica-se 3 dias num resort de 5 estrelas, apanha-se um voo interno para a Praia e fica-se na casa de alguém conhecido e depois volta-se para Lisboa via Sal. Os voos directos ida e volta Praia – Lisboa rondam os 500/600€, nos melhores dias!
Energia, esse bem “assegurado”
Em Portugal não nos preocupamos com a falta de água ou luz. É um bem assegurado! Nem sequer pensamos nisso! Quando falta durante duas horas quase que é notícia de primeira página… realidade completamente diferente daqui. Este país é fortemente afectado por a nossa querida Electra (empresa produtora e distribuidora de água e luz), que ultimamente tem-nos presenteado com cortes diários que duram várias horas, sempre em horário de trabalho (Resultado: empresas sem poderem produzir, barulho ensurdecedor dos geradores, equipamento electrónico avariado, stress!!!!) A electricidade aqui ainda é produzida quase exclusivamente com combustível fóssil. As empresas que vendem geradores, este mês já estão fartas de facturar.
O problema da Electra centra-se numa má gestão, roubo de energia (as famosas puxadas aqui são mais que muitas), avarias e ausência de conhecimento técnico para reparação, e falta de dinheiro.
Começam a ser feitos investimentos em energia eólica e solar, mas ainda não notei benefícios das mesmas para a população.
A electricidade (quando há), é relativamente cara quando comparada com Portugal, cerca do dobro ou talvez o triplo. Há dois ou três meses sofreu um aumento repentino de 50%!
A água é também muito cara. As poucas nascentes existentes foram “entubadas” para produção de água para consumo, sendo a maior parte da água proveniente de dessalinizadoras, que pertencem à Electra e que estão com constantes avarias. Todas as casas têm reservatórios de água, pois a água corrente não é regular. Todas as casas têm bombas de água para puxar a água dos reservatórios… quando falta a electricidade, falta a água… e muitas vezes falta só a água! Ultimamente temos resolvido o problema da água com encomendas de toneladas de água, que custam mais do dobro, que vêm de lugares incertos, e que pagamos 3 x!!! 2 x por ser o dobro do preço normal, e mais uma à Electra, pois a água passa nos contadores! Ahh e nunca deixem uma torneira aberta quando não há água, o ar na canalização faz disparar o contador, e são capazes de pagar qualquer coisa como 20.000$00 de água num mês em que não a utilizaram. O travão que deviria existir, “ka tem”!
Custo de vida
O custo de vida depende muito da ilha/local para onde se vai. As ilhas mais caras são as mais turísticas, nomeadamente o Sal e a Boa Vista. São ilhas rasas, com muito turismo de praia, onde tudo é importado, daí o elevado custo de vida.
Na Praia a vida não é barata, mas sendo a capital existe mais oferta, o que baixa ligeiramente os preços dos alimentos e de bens materiais. Temos de nos lembrar que sendo um País, um arquipélago seco com um clima pouco propício para a agricultura, a 500 km do país mais próximo, tudo é importando e transportado, com a excepção de algumas frutas como papaia, banana, manga e algum peixe.
Os bens materiais electrónicos e mobiliários são muiiiiiiiiiiiito caros! compensa ir ao IKEA ou trazer tudo de Lisboa num contentor, apesar de os custos de transporte e de alfândega serem muito caros (cerca de 90% sobre o valor de factura!). As melhores oportunidades centram-se na compra de móveis em 2ª mão, nomeadamente de imigrantes que estão de regresso aos seus países. Bens electrónicos nem se fala, pelo menos o dobro.
Alugar casas não é propriamente barato, mas consegue ser mais barato que em Portugal. Podem-se arranjar t3 em zonas seguras, por 50.000$ ou 60.000$ (cerca de 500 a 600€), se forem mobilados o preço aumenta bastante (entre 70.000$ e 100.000$). A procura é muita para a oferta que tem.
Emprego
Aqui não existe um ordenado mínimo estipulado. Existem pessoas a trabalhar em lojas que ganham 9000$00 (cerca de 90€) por mês, dependendo da loja. Áreas comerciais são muito diversificadas em termos de ordenado, (um vendedor pode ganhar desde 20.000$00 a 100.000$00, dependendo da empresa e da área de actuação).
Quadros superiores ganham ordenados a partir dos 50.000$00, apesar de existirem algumas pequenas empresas locais que pagam ordenados muito inferiores.
É difícil dizer um nível médio de ordenado, porque depende muito da profissão e da empresa para onde se trabalha.
Quadros qualificados, com vontade de trabalhar e com espírito inovador normalmente tem facilidade em encontrar trabalho. Encontrar trabalho numa empresa aqui através de Portugal é quase impossível, a não ser que tenham cunhas muitos boas, ou que tenha a sorte de ser expatriado, essa regalia cada vez mais rara!
A comunidade “tuga” cresceu muito no último ano. Estando cá, rapidamente se fazem amizades (isto é muito pequeno), e nessas amizades fazem-se contactos para emprego. Concorrer a agências de recrutamento também facilita, mas as entrevistas são normalmente presenciais, e para rápida colocação no mercado.
Sendo um país em crescimento, a construção é um sector muito procurado. Acredito que existem já demasiadas empresas para a dimensão destes país, mas continua a ser um sector apetitoso, nomeadamente com a estagnação da construção em Portugal.
Manutenção eléctrica (obviamente), electrónica e mecânica, são necessárias. Se tiverem qualificação nesta área, facilmente encontram emprego, principalmente se vierem com um plano específico e bem pensado para montar uma empresa. TICs é também sempre necessário.
Creches é algo quase inexistente, sendo um bom sector para investimento. Não há formação específica para educadoras de infância, pelo que uma creche com formação nesta área será algo essencial.
Áreas comerciais são muito pedidas, área financeira também. Nota-se alguma carência no ensino. Não existe uma escola que ensine Português, apenas o Centro cultural Brasileiro tem essa opção (tendo em conta que existem muitos europeus, seria interessante haver mais oferta). Mesmo nas escolas, nota-se alguma carência de aprendizagem nesta língua, que é a língua oficial do País, sendo muitas aulas, desde o ensino primário a por vezes universitário, dadas em crioulo.
Aqui na Praia, o transporte público mais utilizado é o táxi ou a hiace (uma aventura! 🙂 ). A empresa que tem alguns autocarros (mais velhos que eu), está com graves problemas financeiros. Um planeamento de transportes seria também uma boa ideia.
Investimento no tratamento de lixo é obviamente necessário.
Façam uma marina na cidade da Praia por favor!!!!!!! Ter um barco aqui é uma aventura! Normalmente é sempre uma dor de cabeça, mas aqui transforma-se em enxaqueca crónica!
Tudo o que traga competição em termos de preços de bens materiais e de consumo é bem-vindo, apesar da dificuldade de transporte e de desalfandegamento (o porto da Praia é pequeno para tantas solicitações, apesar de estar a sofrer umas obras de expansão). Os preços nem sempre são os mesmos. Ter um bom contacto na alfândega é essencial.
Eco-turismo – há muito pouco! Em termos de paisagem tem um excelente potencial! Esta ilha, fora da cidade da Praia, é brutaaaaaal. As pessoas são muito simpáticas, as paisagens espectaculares.
ONGs e centros para 3ª idade: noto que os velhotes são um pouco esquecidos.
Saúde: Qualquer situação mais grave que aconteça, tem de se ir para Portugal. O João no ano passado teve febre tifóide. Foi fazer exames a diferentes clínicas mais de 3 vezes e ninguém detectou nada. Passado mais de 3 semanas do início daquela febre intermitente e falta de apetite, veio para Portugal saber o que se passava. Com os exames de cá, em menos de uma hora, o médico disse o que tinha… é preciso dizer mais alguma coisa? Seguros de saúde também era fixe :).
Energias alternativas para consumo pessoal: pequenas soluções são bem-vindas. Ultimamente a moda são as baterias dos carros em casa com carregadores para ligar a televisão e internet. O problema da luz, segundo o Governo, vai-se manter até Fevereiro do próximo ano, o que em Cabo Verde, certamente significa pelo menos mais um ano, talvez dois!
Para quem não vier investir, quando enviarem currículos, aconselho a fazerem cartas de apresentação e anexar cópias de documentos. A procura é muita, é necessário destacarem-se e enviarem candidaturas completas e personalizadas às empresas. Recomendo também uma visita para fazer contactos e procurar oportunidades.
Adaptação
Varia de pessoa para pessoa. O ritmo é diferente, tem-se mais qualidade de vida pois tem-se mais tempo (não há transito e é tudo perto) e o clima ajuda sempre. A convivência também é potenciada pela proximidade, tempo disponível, cortes de luz e ausência de actividades ao fim-de-semana. A adaptação cultural poderá não ser fácil, principalmente depois de passar a sensação de novidade. As dificuldades técnicas são muitas, o atendimento nem sempre é o melhor, os tempos de espera são difíceis.
O melhor é mesmo é o mergulho. Água sempre quente, apesar de se notar alguma sobrepesca!
Espero ter sido útil para todos.
O próximo post vai ser menos conversa e mais fotografia, acho que escrevo melhor com luz do que com teclados! (tenho algumas fotos que ainda não partilhei aqui, que vergoooonha!)
Bem de resto, aos amigos e família, tudo continua a correr bem. Muitos mergulhos, disparates da Mishka e da Chamuça e muito trabalhinho. Retomei a minha tese!! Já tenho escala e tudo eheh. Tenho muitas saudades de todos. Zé Nuno, boa sorte em terras de sua majestade. Maninha vejo-te daqui a umas semanas, e aos restantes no Natal estou aí. Beijinhos grandes.