Geração “à rasca”.

Olá família, amigos, conhecidos e curiosos,
Cá estou eu mais uma vez a escrever neste blogue. Nas últimas semanas, desde que a famosa música “Parva que sou” dos Deolinda saiu, que tenho sentido um formigueiro na barriga pela situação vivida em Portugal. Para quem ainda não conhece, vejam o vídeo e oiçam a letra:
Soube na semana passada de uma mega manifestação que vai haver em Lisboa e no Porto… e o formigueiro aumentou. Não que não me preocupasse anteriormente, mas parece-me que o nosso fantástico povo conhecido pelo seu descontentamento, passividade e calma (isto sem sarcasmo) começa a mostrar gestos visíveis de mudança.

Este post surge assim deste sentimento de revolta, partilhado pela emoção que uma amiga minha sente perante a situação que Portugal e a nossa geração actualmente vive (eterna “revoltada” Maria, a Lenda!) mas também pelo facto de nas últimas semanas, eu e o João termos recebido vários contactos de portugueses a perguntarem como é viver aqui em Cabo Verde, incluindo a visita de um. Aliás, nos últimos 8 meses vimos a população “tuga” crescer a olhos vistos nesta cidade.
Quem acompanha o blogue sabe da minha experiência aqui em Cabo Verde, mas para quem não sabe, aqui vai um resumo:
Desde 2006 que sentia uma necessidade grande de conhecer realidades de outros países. No ano passado, eu e o João decidimos procurar uma experiência além fronteiras. Esta necessidade nasceu da junção de uma série de factores, como a falta de oportunidades existente no País, a necessidade de crescer pessoal e profissionalmente, a procura da aventura e a necessidade de tentar fazer alguma diferença com aquilo que nos dá prazer fazer. Apesar de termos uma casa paga e muitas oportunidades que por vezes não gosto de falar por conhecer as dificuldades vividas pelos que me são próximos, optámos por “arriscar” e sair. Muito interpretam esta escolha como um acto de coragem… Na minha opinião coragem é ficar!! Quase considero este nosso acto como sendo egoísta, cobarde e pouco patriota, mas continuando.
Eu, rapariga com quase 1\4 de um século (ser adulto é lixado!), fiz o meu percurso académico todo certinho, com licenciatura, pós-graduação e mestrado (quase completo). Sempre me foi ensinado que optar por um curso superior é a melhor hipótese de ter “uma vida melhor no futuro”… Vejo muitas pessoas “obrigadas” a tirar cursos que detestam por causa da “vida melhor no futuro”. Muitas delas completam os cursos que não gostam e ficam no desemprego, ou são infelizes profissionalmente por fazerem algo que para elas não tem qualquer sentido… Outras têm a coragem de tirar cursos que “não têm empregabilidade” (nomeadamente cursos com componente criativa, ou teórica), e infelizmente também ficam no desemprego, mas ao menos durante um período de tempo fizeram o que gostam. Existem aqueles que têm a sorte de encontrar trabalho nas suas áreas de eleição, apesar de uma grande fatia desse bolo escolher sair do país, optar por estágios não remunerados ou ter a “sorte” de ter um emprego com ordenado mínimo, muitas vezes pago a recibos verdes. Como já ouvi alguém dizer, somos a geração mais qualificada e mais sacrificada (profissionalmente) de sempre, apesar do nosso (até agora) aparente conformismo, mas continuando…
O João, 28 anos, não é academicamente “qualificado”, percurso escolhido sem influências sociais ou familiares, muito pelo contrário, escolha feita com opiniões e pressões contrárias e direccionadas para a escolha de um curso superior que “lhe daria melhores condições de vida” (eu fui, durante um tempo uma dessas pressões). Essa pressão resultou durante algum tempo (um mês? eheh).Tentou duas vezes iniciar um curso superior, mas rapidamente viu que não era aquilo que procurava. Invejo-o pela sua coragem e por ter lutado contra tudo e contra todos para encontrar aquilo que gosta realmente de fazer, procura que não foi conseguida à primeira, razão de tanta desconfiança e cepticismo relativamente às suas capacidades. É instrutor de mergulho, profissão considerada inicialmente por muitos como uma “fase do João”, um hobbie caro e sem futuro, mas que agora é motivo de orgulho de toda a família, e mais importante, orgulho dele próprio. (Quantos de nós sente orgulho de nós próprios?).
Quando optámos por sair de Portugal, e visto a área dele ser muito específica, foi ele o primeiro a procurar um emprego fora. Sendo a minha área de trabalho mais abrangente seria para mim mais fácil segui-lo e encontrar qualquer coisa. Inicialmente pensámos em viver uma experiência curta, com a duração de um ano no máximo, mas rapidamente as coisas mudaram…
Peço desculpa, neste preciso momento o João ligou-me a dizer que ouviu no mergulho realizado agora, baleias a comunicar e que as viu quando saiu da água… há experiência de escritório que se compare à sensação de ver uma baleia? Que inveja!!!!!!! Peço desculpa pela descontextualização que por acaso vem no momento certo, mas UAU!!!! Quero muito!
Continuando (tentando manter o espírito de revolta que foi completamente abafado pelas baleias!)… Quando chegámos a Cabo Verde, apenas um de nós estava (mal) empregado. Apesar das muitas controvérsias iniciais, as quais quase nos fizeram pensar em voltar a Portugal, decidimos continuar com a nossa experiência. Inicialmente, como ainda estava desempregada e pela “má empregabilidade” do João, começámos a desenhar um projecto sem lhe dar muita importância… mas cujo o sentido, para nós, foi crescendo. Passados 3 meses de cá estar encontrei um emprego, e passado 4 meses o Projecto começou a ganhar forma. Apesar de estar contente com o meu actual emprego, não me sinto totalmente realizada profissionalmente… porque será? Egoísmo da minha parte? Este sentimento melhora um pouco com o Projecto que eu, o João e outros sócios estamos a construir, (Restaurante e Centro de Mergulho), apesar de o meu sonho desde os 15 anos ser a fotografia, (o auge seria ser fotógrafa da National Geographic), as viagens e a “vida pura”. Contudo, profissionalmente sou uma jovem empresária e técnica de Recursos Humanos, ainda fortemente influenciada pelas pressões sociais, com muito pouco tempo para a fotografia, com tempo nenhum para viagens, com momentos em que adoro o meu trabalho e com momentos em que o odeio e que fico a pensar “que contributo estou a dar para este mundo?”. Estou a trabalhar para um dia poder fazer o que gosto ou estou a sacrificar o que gosto para poder trabalhar? Para a minha sanidade mental acredito na primeira opção!
O que significa “escolha certa” nos dias de hoje? Sei que o desemprego atinge fortemente os cidadãos Portugueses (vou falar apenas de Portugal), mas que sentido tem a pressão social actual para a realização de cursos superiores? Claro que, para quem gosta, dá um sentimento de realização pela aquisição de conhecimento (eu por exemplo adoro essa sensação), mas por outro, em termos práticos o que significa? No outro dia eu e o João debatemos este assunto. Chegámos à conclusão que se a sociedade tecnológica e capitalista deixasse de repente de existir, quem sobreviveria seria a camada mais pobre. Os agricultores, pescadores (pessoas cuja importância para o bem de todos é desprezada pela sociedade geral), as populações de 3º mundo, sem estudos mas com meios próprios de subsistência, enfim, os “não qualificados!”, cujo conhecimento adquirido por não estar impresso numa folha de papel, não é motivo de orgulho e não merece a atenção dos “qualificados”. Aliás, quem se iria safar melhor, e provavelmente não daria conta de nada eram aquelas raras populações sobre as quais o mundo moderno ainda tem pouca ou nenhuma influência. Não estou a querer dizer que devemos ser todos nómadas, mas que devemos dar valor à individualidade de cada um.
Lá estou eu a divagar… Mantendo-me no mundo “real” do ser humano “evoluído” acredito, tal como um professor Universitário meu disse uma vez, que estamos numa mudança de paradigma social brutal. Acredito que o sentido do ensino e da educação vai sofrer uma revolta profunda durante os próximos anos. Somos categorizados em termos de conhecimento pela idade até ao 12º ano de escolaridade, sendo que o ensino é igual para todos até ao 9º ano (15 anos) apesar das diferenças e aptidões de cada um. Só somos qualificados se tivermos pelo menos o 12º ano, e só seremos bons profissionais em áreas “respeitadas” se tivermos um curso superior e boas notas. Como não sou muito boa a explicar-me aqui vai um vídeo que aconselho a ver com atenção:

Tudo isto para dizer que amava estar na Manifestação de 12 de Março. Tudo isto para dizer que cada vez mais acredito que um curso superior faz sentido depois de sabermos aquilo que queremos fazer, não aos 18 anos mas aos 30, mas que no entanto não é obrigatório para sermos mais ou menos qualificados. Acredito que devemos explorar todas as oportunidades, não fazer tudo certinho à primeira, cometer “erros”, os quais considero os principais factores de aprendizagem e conhecimento. Acredito na satisfação pessoal (mais do que financeira) naquilo que fazemos. Acredito que devemos primar pela mudança, pensando no que realmente queremos e nos faz felizes.

Possivelmente não estarei presente na Manif, e não irei registar esse momento com a minha máquina, mas estou convosco. Quero um dia poder voltar ao meu país sem me sentir sufocada pelo ambiente que senti quando estive aí no Natal, e que sei que para o qual em nada estou a contribuir para mudar, pois sou uma das muitas pessoas que está longe desse ambiente por escolha própria. Admiro a vossa coragem e força.
Beijinhos a todos com saudades.
Esta entrada foi publicada em À descoberta, cabo verde, Mergulho, Portugal. ligação permanente.

9 respostas a Geração “à rasca”.

  1. Jose diz:

    Olá Rita,
    Lá estarei, em meu e em teu lugar !!
    A canção dos Deolinda é linda e faz-me formigeiro nos canais lacrimais ( deve ser da idade).
    Faz-me lembrar outras canções que falavam em vampiros, cães raivosos e no que faz falta é avisar a malta.
    As revoltas do Norte de África (Egipto, Tunísia, Líbia) bem podiam alastrar aqui ao lado Ibérico.
    É certo que no norte de África são ditaduras ( ou quase) e que aqui há democracia, mas as pessoas lá (e espero que cá) revoltam-se é contra as condições que lhes são impostas, desemprego ou salários mínimos, custo de vida impossível de suportar, falta de prespectivas de futuro.

    Vamos lá a ver no que isto dá.
    Estou contigo de alma e coração

    José

  2. Ana diz:

    Querida RITA,
    Concordo com muita coisa que escreveste. Com outras … nem tanto!
    Mas tenho que te dizer que ESCREVES MUITO BEM.
    Provavelmente, não irei à Manifestação, mas estou solidária com todos os jovens, com curso superior ou não, que estão a passar por esta crise (de emprego, de valores, de identidade, etc).
    Beijinhos da tia que te adora,
    ana

  3. Maria diz:

    Oh Rita, antes de mais agradeço a parte em que me dedicas a razão de escreveres este post!
    Depois, obrigado por teres escrito tão bem as coisas que todos nós pensamos mas nem sempre conseguimos passar para palavras, concordo contigo em tudo o que dizes e por isso vou participar na manifestação, não é solução ficar em casa à espera que as coisas melhorem sozinhas!Esta manife serve para isso mesmo: para quem não tem voz, passar a tê-la!
    Beijinhos grandes e sim, um dia vais voltar para Portugal e arranjar emprego naquilo que mais gostas porque tenho a certeza que as coisas vão MUDAR!
    sim porque eu NÃO SOU PARVA! 🙂

  4. isabel almendra bravo diz:

    Reli ao chegar a casa o teu post… SEnte-se o teu sentir, transmites com clareza e uma surpreendente maturidade ideias estruturadas e bem defenidas… Encanta-me a forma como dás um rumo com sentido à tua vida e te afirmas mulher activa, ser humano que pensa e sabe! Adoro-te Rita, escreves realmente muito bem! Beijinhos com saudades

    Mãe

  5. isabel almendra bravo diz:

    Só mais uma coisinha… Ouvi agora a canção dos Deolinda… Até que enfim…é saudável.. finalmente vejo gente de pé a apoiar e a acreditar que é possível ser mais do que acomada, indiferente e centrado no seu pequeno mundo…
    É saudável e fresco este grito de revolta de uma geração sem duvida previligiada que acaba por ser realmente muito sacrificada nesta infindável crise de tudo mas sobretudo de valores e principios… É bom encontrar jovens a serem jovens e a lutar por quem são! Foi uma lufada de ar fresco o principio do fim desta geração dita#rasca# que parece ter encontrado o sentido e a união para se afirmar, se erguer e crescer .

    • Hugo Castilho diz:

      Oi Rita, eu não te conheço e tu não me conheces, mas numa das minhas viagens na net à procura de um sitio melhor para se viver…. Deparei-me com o teu blogue. Gostei muito e antes de mais nada queria te dar os parabéns pela maneira como escreves.
      Sou Português, tenho mulher e um filho com 3 anos e stou a pensar ir para Cabo Verde.
      Sei que ninguém tem vontade de imigrar, de deixar a nossa terra Natal. Sei que é muito difícil sair do local onde nascemos, para longe da nossa familia, sem razão muito forte para o fazer. A razão neste momento em Portugal é mesmo aquela que tu mencionaste. ”A falta de futuro”. Sou Arquitecto e trabalhei 10 anos sempre com recibos verdes e agora estou desempregado. Gostaria que me contasses um pouco mais de Cabo Verde, se é fácil procurar trabalho, o nível de vida é difícil? As pessoas recebem bem os imigrantes? E gostaria muito se possível que me desses algumas dicas, para o caso de resolver levar para ai a minha familia.
      Muito obrigado e muito boa sorte para vocês e para o vosso negócio.
      P.S. – A fotografia é mesmo uma paixão

  6. Carolina S.Gama diz:

    Olá Rita…
    Obrigada pelas tuas palavras!!
    o meu nome é Carolina tenho pouco mais de um quarto de seculo também…
    e partilho os mesmo pensamentos e ideais que tu!!
    A minha ambição tem de muito pouco material..e receio que devido a passagens e caminhos inconscientes e inocentes.. ter de me resignar ao dia a dia presente!
    não tenho qualifcações superiores..
    mas já levo uma mala repleta de experiencias..a o qual chamo de bagagem para a Vida…
    o Meu Sonho de pequena era assim como tu tornar-me Fotografa da National Geographic tirei um curso de 3 anos..mas por ter feito escolhas indefinidas e preferir viver uma Vida a apreciar o momento…costumo dizer…tenho a fotografia numa caixinha muito especial.. dentro daquela gaveta…que um dia irei abrir!

    Estamos num inicio de um ciclo..de uma nova fase…de um novo periodo…:)

    Dou-vos os meu Parabens pela vossa força..e por acreditarem…que não existem limitações!

    Quero Muito…tenho no meu intimo…muitas “imagens” que quero sentir e viver!

    Tenho uma Hipotese de ir para Cabo Verde!
    São Vicente…Turismo e Hotelaria!ainda não sei se é uma coisa concreta!ou se terei de ir aí para fazer prospecção coisa q para mim é muito complicado…recebi ontem uma mss no meu telefone do meu Tio que está aí a desenvolver nem eu sei bem o quê mas julgo q tenha a haver com o departamento de cultura…
    como deves imaginar estou super ansiosa por ver luzinhas ao fundo do tunel!!
    se fosse há uns tempos punha a mochila e arranjava maneira imediata de voar até aí…mas agora e com todo o Meu Amor sou Mãe…e isso faz com que qq plano seja ligeiramente diferente;)
    .
    Gostava que me contasses mais coisas da vossa experiência e de como se vive em Cabo Verde..
    Somos 3 eu…a Maria do Mar que tem um ano e meio….e o Mané o meu namorido de 11 anos!
    Somos uma Familia que queremos viver e porporcionar uma vida plena em que a qualidade de vida significa significa poder dizer…Bom Dia ao Dia;)

    ops desculpa…n quero tomar mais o teu tempo…mas quando começo a navegar…!!
    Aguardo noticias,obrigada
    Beijocas
    Tudo de Bom

  7. john diz:

    Bom post!
    Eu Acho exactamente o mesmo, mas também acho que podemos sempre tentar fazer algo mais por nos próprios… Apos pesquisa relacionada, verifiquei alguma informação que Vos poderá ser útil:
    Formas de Ganhar Dinheiro a partir de Casa – Descubra Como Ganhar Dinheiro a partir de casa – Aumente o Seu rendimento mensal através do mais completo guia criação de rendimentos e oportunidades de negócio em casa! Desfrute e Acima de tudo partilhe a sua experiência! 🙂
    http://www.ganhaemcasa.blogspot.com/

    Tudo de Bom para Vocês,

    Abraço

  8. SILVIA diz:

    Olá!
    I am learning portuguese… and I am planning to make a first trip to Cabo Verde in September.
    I would like to know more about locals’conditions of living… I am NOT too interested in staying at a 4 star hotel and things like that. I would prefer to have a cheaper and less touristic experience.
    I ve read some things on the net, like many accomodations do not have water installation and so on… is it really so? Is it true that if you want to rent a small flat with average commodities you ll have to pay as much as in Europe? (this thing of Europe is so relative… I live in Spain and I am paying 250 euros for a flat with garage, and everything… of course this is in a village and the price is that low because of crisis).
    I am looking for detailed information, as for example the price of chicken… one kilo of rice?
    If you prefer, you can tell me about this by e-mail— just tell me.
    THANKS IN ADVANCE, AND CONGRATULATIONS FOR YOUR EXPERIENCE AND YOUR BLOG….IT IS LOVELY!

Deixe um comentário